sexta-feira, 30 de novembro de 2012

LEFF, E. Agroecologia e saber ambiental. In: Agroecol. Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3. n. 1, jan./mar. 2002. (p.36-51).

Esse artigo é a adaptação de um texto apresentado em um Seminário Internacional sobre Agroecologia. O autor começa conceituando Agroecologia como um novo paradigma produtivo, como uma constelação de ciências, técnicas e práticas para uma produção ecologicamente sustentável, no campo. Para ele, as práticas agroecológicas nos remetem à recuperação dos saberes tradicionais, a um passado no qual o humano era dono do seu saber, a um tempo em que seu saber marcava um lugar no mundo e um sentido da existência. Os saberes agroecológicos são uma constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população, além de serem forjados entre as cosmovisões, teorias e práticas. Para esse autor, a Agroecologia deve considerar as condições culturais e comunitárias em que estão mergulhados os agricultores, sua identidade local e suas práticas sociais são elementos fundamentais para a consolidação e apropriação social de suas práticas e métodos. A Agroecologia como instrumento do desenvolvimento sustentável, deve envolver o pesquisador na realidade que estuda, ao aceitar, em pé de igualdade, com o seu conhecimento científico, os saberes locais gerados pelos agricultores. Para ele, um desenvolvimento rural sustentável é possível pela fusão entre a “Empiria camponesa” e a “Teoria Agroecológica”. Sob o ponto de vista do autor, a Agroecologia convoca a um diálogo de saberes e permuta de experiências; a uma hibridização de ciências e técnicas, para potencializar as competências dos agricultores; a uma interdisciplinaridade, para articular os conhecimentos ecológicos e antropológicos, econômicos e tecnológicos, que confluem na dinâmica dos agroecossistemas. Penso que nesse dialogo de saberes não deve haver hierarquia, sendo considerado como iguais todos eles, sejam empíricos ou científicos. Amparado nesse enfoque, o autor completa dizendo que na reapropriação dos saberes tradicionais e sua hibridização com conhecimentos científicos modernos, o elemento aglutinante não é o desejo de lucro, senão a reprodução ecológico-cultural do agroecossistema e do território. Para esse autor, a Agroecologia se nutre dos saberes culturais dos povos, de valores tradicionais que vinculam o momento da produção com as funções simbólicas e o sentido cultural do metabolismo social com a natureza. Desse modo, a atividade de cada agricultor está motivada por cosmovisões e constelações de valores e interesses que são incomensuráveis com os valores monetários da agronomia. Amparado nessas considerações, penso que a Agroecologia praticada nesses moldes deve ter como pano de fundo, o desenvolvimento que parta da confluência de saberes, como os científicos interdisciplinares e os “tradicionais”.

FLORIT, L. A reinvenção social do natural. Natureza e agricultura no mundo contemporâneo. Cap. 05. Blumenau: Edifurb, 2004. p. 99-124.

Quando Florit (2004) fala da crítica à agricultura moderna, ele diz que ela tem enfocado especialmente as consequências indesejáveis da produção de alimentos, conformada pela modernização agrícola, focalizando três níveis de riscos intimamente relacionados entre si. Na concepção dele, os riscos são: ambientais (poluição, perda de biodiversidade, erosão dos solos, entre outros), os riscos sociais (a marginalização das populações que não se “modernizaram”, êxodo rural e consequências à saúde dos trabalhadores rurais, por exemplo) e os riscos alimentares (presença de agrotóxicos nos alimentos comercializados, diminuição geral da qualidade biológica nos mesmos e, de modo recente, as inseguranças geradas pelo uso de variedades geneticamente modificadas). Segundo esse autor, os problemas atinentes à agricultura moderna se relacionam com um tipo de visão de natureza, que parte da separação ontológica do ser humano e da natureza, fato esse, que serve de justificativa para a manipulação da mesma através de práticas instrumentais que a consideram como um conjunto de objetos passivos, suscetíveis de serem usados e transformados pelos seres humanos. Se contrapondo ao modelo de agricultura baseada em insumos químicos e motomecanização, surgem correntes alternativas à agricultura moderna, segundo Florit. Para esse autor, o modelo alternativo pode ser analisado a partir de quatro categorias principais: agricultura orgânica, agricultura biológica, agricultura biodinâmica e agricultura natural. Nesse último grupo, por sua vez, pode-se incluir diversas linhas diferentes, entre as quais se podem citar a agricultura natural de Mosanobu Fukuoka e agricultura natural de Moiki Okada, entre outras. Nessa conjuntura, o autor tendo como pano de fundo Ehler (1996) passa a falar de cada uma das agriculturas alternativas, começando com a orgânica, que, segundo ele, é atribuído ao inglês Sir Albert Howard. As experimentações de Howard na Índia permitiram que ele se sentisse capaz de praticar a agricultura sem qualquer utilização de insumos químicos. O resultado foi um sistema que assumia que o fator essencial para a saúde das plantas e dos animais era a fertilidade do solo. Para alcançar esse objetivo, Howard sistematizou o que chamou de método “Indore”, o qual consiste num método de compostagem que aproveita os resíduos da fazenda e os transforma em húmus, que, segundo orientações específicas, garantiria a fertilidade do solo através de um processo biológico. De acordo com Bonilla, citado pelo autor, a ideia central era assegurar que o solo fosse suficientemente enriquecido com altos níveis de matéria orgânica de modo a assegurar um ambiente propício para uma vida intensa e rica da flora microbiana. Quando Florit faz menção ao modelo biodinâmico inspirado no filósofo austríaco Rudolf Steiner, afirma que tal modelo tinha por finalidade, inspirar a criação de um método de produção que permitisse recuperar a saúde e o vigor das plantas e dos animais domésticos, e com isso, a qualidade dos alimentos para os seres humanos. Esse modelo parte de uma “visão espiritual” da agricultura, atribuindo uma importância muito grande à influência dos astros e considerando a produção agrícola como parte de uma atividade na qual o ser humano, como ser espiritual, pode contribuir para a evolução da natureza. Secundariamente, faz uso dos chamados “preparados biodinâmicos” contendo substâncias vegetais e minerais, elaborados através de métodos que incluem procedimentos de caráter simbólico, com o fim de vitalizar as plantas e estimular o seu crescimento, considerando a propriedade agrícola como um organismo. Para Florit, a expressão agricultura biológica foi cunhada pelo francês Claude Aubert ao dar título ao livro no qual expôs os princípios de um modelo de agricultura em que plantas e animais são agricultados e criados em condições tais, que lhes é permitido desenvolver-se com “boa saúde” a partir da adequação “natural” às suas necessidades vitais. Nesse modelo, plantas e animais são tratados como seres vivos e não se faz uso de insumos químicos nem de motomecanização. Segundo Ehlers (1992) citado pelo autor, as ideias da corrente da agricultura biológica parecem atender aos anseios do emergente movimento ecológico, especialmente devido a sua preocupação tanto pela qualidade dos alimentos quanto pela proteção ambiental, além da procura por fontes de energéticas renováveis. O método da agricultura natural foi elaborado pelo japonês Mokiti Okada e privilegia a “força intrínseca” do solo, cuja qualidade é considerada fator primordial para obtenção de boas colheitas. De acordo com essa perspectiva, a fertilização do solo consiste no fortalecimento de sua “energia natural”. Para tanto, basta torna-lo “puro e limpo”, pois, no entendimento de seu percursor, quanto mais puro é o solo, maior é a sua força para o desenvolvimento das plantas. Florit ainda completa dizendo que do ponto de vista agronômico, a agricultura natural de Okada recomenda a rotação de culturas, o uso de adubos verdes, o emprego de compostos e o uso de restos vegetais na forma de cobertura sobre o solo. Em minha opinião, esses modelos ditos alternativos, contribuíram para a mudança de mentalidade de parte da comunidade científica, de parte dos consumidores e de produtores rurais, principalmente daqueles voltados para o modo “tradicional” de agricultar. Penso que todos eles apresentam relevância, especialmente na característica que apresentam em comum, que é a oposição ao modelo moderno de agricultura baseado no monocultivo que faz uso de insumos agrícolas e motomecanização do solo.