domingo, 26 de agosto de 2012

MENSAGEM ESCRITA PELOS LÍDERES DA GUERRILHA AOS SOLDADOS

Lembrem-se que, não distante daqui, próximo a Marabá, as Minas de Serra Norte – as maiores reservas de ferro do mundo – estão nas mãos da poderosa empresa ianque United States Steel. Tenham em conta que a democracia acabou no Brasil e ninguém pode criticar os governantes. Vale a pena se sacrificar por uma causa tão ingrata? Meditem um pouco. Não permitam que os tornem autômatos e assassinos de seus irmãos. Os combatentes do Araguaia são jovens patriotas. Não cometeram nenhum crime. Querem acabar com a ditadura, construir uma nação livre e próspera, almejam o bem-estar de todos os brasileiros. Do mesmo modo que eles, vocês são filhos do povo trabalhador. Por que, então, combate-los? O movimento Guerrilheiro é invencível. Fonte: Nossa, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 127).

SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA, FIM DE TARDE, MAIO

Afundavam em tonéis com água a cabeça dos agricultores presos para que eles contassem o que sabiam e o que não sabiam, davam-lhes pelo corpo e os amarravam pelos testículos em posição de matar boi. Frederico, marido de Adalgisa, foi pendurado assim e obrigado, numa tarde de sol intenso, a esvaziar com uma peneira um tonel de água. - Era o dia todinho no sol, queimando. Me deram choque, botinada na cara – lembra Frederico Moraes, que ficou com sequelas. Ele e outros presos eram obrigados a cantar o Hino Nacional e participar, toda manhã, do hasteamento da bandeira. Fonte: Nossa, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 126).

sábado, 25 de agosto de 2012

OSVALDÃO

De barba e sujo, Osvaldão, 35 anos, estava sentado atrás de uma moita, sem o vigor da lenda, longe de ser a figura do lutador de boxe e do dançarino elegante dos cabarés. O mateiro Arlindo Piauí percebeu sua presença na área. Chamou-o pelo nome. Osvaldão abriu com as duas mãos a moita. Ao ver o rosto dele, Piauí apontou a espingarda para a barriga do guerrilheiro e atirou. Um sargento, na retaguarda, se aproximou e acabou de matá-lo. O corpo foi colocado num saco de lona verde e amarrado no esqui de um helicóptero. O aparelho estava a dez metros do chão quando a corda arrebentou, quebrando o tornozelo esquerdo do cadáver. Novamente, o corpo foi amarrado. O helicóptero sobrevoou Xambioá e os castanhais para não haver dúvidas da morte do mito. Pela manhã, o corpo chegou à base de Xambioá. Alguns moradores estavam presentes no velório, para que a notícia da morte do guerrilheiro se espalhasse. No terreno da base, perto de uma cova aberta por mateiros, Curió observou o corpo que estava estendido numa maca. A cabeça e os pés de Osvaldão não cabiam ali. Fonte: NOSSA, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 206).

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O CORONEL LICIO MACIEL RELATANDO COMO ELE E SUA EQUIPE MATARAM O GRUPO DE GUERRILHEIROS DO QUAL ZÉ CARLOS FAZIA PARTE

Equipe em formação de combate em linha, eu sem poder mais rastejar devido à proximidade de um guerrilheiro, levantei-me e gritei a ordem de prisão, obtendo como resposta um tiro dado por um deles que estava de vigia mais atrás e que não tinha sido visto. O revide foi inevitável, imediato. Mero suicídio. O tiroteio foi intenso e prolongado; quem se mexia tomava bala. Terminado o tiroteio, silêncio na mata, estavam mortos: “Zé Carlos” (André Grabois), “Alfredo” (Antonio Alfredo Lima), e “Zebão” (João Gualberto Calatroni), todos identificados pelo único sobrevivente, o “Nunes” (Divino Ferreira de Souza), que estava muito ferido, com um projétil que lhe atravessou o corpo transversalmente, entrando no quadril de um lado e saindo na axila do outro lado, quase arrancando-lhe o braço. Mas foi ele quem deu os nomes dos mortos e a importância do grupo, embora falando com muita dificuldade. À noite, mal podia falar. O que conseguiu fugir era o “João Araguaia” Demerval Pereira da Silva). (Trecho retirado do livro: Guerrilha do Araguaia – relato de um combatente, escrito por Licio Maciel – 2008, pag. 54)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

MAURICIO GRABOIS RELATANDO EM SEU DIÁRIO A MORTE DE SEU FILHO, ZÉ CARLOS, DURANTE A GUERRILHA DO ARAGUAIA

“Más noticias do destacamento A - pra mim particularmente terríveis - deixaram-me em estado de não poder escrever coisa alguma... o Destacamento foi duramente golpeado. Perdeu seu comandante, homem e um dos mais puros revolucionários. Estava ligado ao partido desde os 16 anos. Ainda podia dar muito à revolução. Era excelente comandante. O primeiro erro que cometeu foi-lhe fatal. Tinha 27 anos. Seu verdadeiro nome era André Grabois." (Trecho do livro: MATA! O MAJOR CURIÓ E AS GUERRILHAS NO ARAGUAIA, página 165, de autoria de Leonencio Nossa).

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

UMA CARTA DE OSVALDÃO QUE CHEGOU AS MÃO DOS MILITARES

Prezado amigo... encontro-me na matas do Araguaia, de armas nas mãos, enfrentando soldados que pretendem me apanhar vivo ou morto. [...] Há mais de seis anos morava nessa região, dedicando-me, honesta e pacificamente, ao duro trabalho do garimpo ou do “marisco”. [...] Internei-me na mata, que conheço bem, para combater os inimigos do povo. Quero que o Pará e o Brasil sejam terras livres, onde todos possam trabalhar sem grileiros, sem perseguições policiais e contando com a ajuda de um novo governo, progressista e popular. [...] Peço-lhe que transmita a todo o revoltado, a todo inconformado com a situação de pobreza e falta de liberdade, a todo perseguido pelos poderosos e pela polícia, que será bem recebido pelos combatentes. Aqui, entre os revolucionários, ele poderá se refugiar e lutar. Sou um patriota, um filho do povo. Aspiro ardentemente livrar a nação do cativeiro, do domínio dos gringos norte-americanos e da ditadura. Osvaldo, de algum lugar do Araguaia. (Trecho do livro: MATA! O MAJOR CURIÓ E AS GUERRILHAS NO ARAGUAIA, página 146, de autoria de Leonencio Nossa). Será que houve grandes mudanças daquele período para o período atual? As terras do Pará são livres? Os grileiros deixaram de existir? Não há mais perseguições policiais? Os governos se tornaram progressistas e populares? O povo deixou de se revoltar e se inconformar com a situação de pobreza e a falta de liberdade? Os poderosos deixaram de perseguir os menos favorecidos? Sob a minha ótica, os problemas que a população enfrentava no período em que o guerrilheiro Osvaldão escreveu essa carta, permanecem até os dias atuais. Também não vejo muitas perspectivas de mudanças a curto e médio prazo. Penso que só acontecerão mudanças radicais se trilharmos o caminho da revolução.