domingo, 29 de maio de 2016

Territorialização das políticas públicas na Amazônia*

Para entender essa territorialização, busquei apoio em Castro (2001) que passa a destrinchar essas políticas. Ela afirma que para se entender os processos políticos por que passa a Amazônia na atualidade, é necessário se analisar as relações entre Estado, sociedade e economia. Assim, se deve observar que a orientação da política nacional é a de delinear medidas que robusteçam a integração dos mercados com os países que se alinham nas espaçosas fronteiras da região amazônica, sob a liderança pretendida do Brasil. Nesse quadro, é possível que esteja havendo uma revisão da noção de fronteira, que passa a não ser vista mais como espaço de (re)conquista e ocupação de atores econômicos e sociais, de usos novos dos recursos naturais, mas como uma fronteira em que o papel político se redefine pela sua competência de potencializar a relação de mercados para além dos limites nacionais, substituindo desse modo, a noção de mercados resguardados que era valorizada no discurso nacionalista. Na concepção da autora citada acima, a discussão acerca das ações do Estado acompanha esse caminho de integração de mercado do ponto de vista da prática de políticas macro, a exemplo das alternativas tomadas com os grandes projetos para a Amazônia nas décadas de 70 e 80, em especial a construção dos grandes eixos rodoviários (Transamazônica e Perimetral Norte), os programas de colonização, o Polamazônia, os grandes projetos hidroelétricos e industriais (Usinas de Tucuruí e Balbina, Projeto Ferro Carajás, ALBRÁS, ALUMAR, Mineração Rio do Norte), entre muitos outros. Trata-se agora, neste começo de outro milênio, de novos patamares e desafios que se estabelecem a um projeto desenvolvimentista do Estado brasileiro. Nesse contexto, Castro (2001), afirma que do ponto de vista macro, as iniciativas planejadas pelo Estado e em curso já começaram a causar seus impactos econômicos, sociais e ambientais. Essas iniciativas se inscrevem no Plano Plurianual/PPA – Avança Brasil – de 1996-1999 e 2000-2003, no qual se encontram determinados os Eixos Nacionais de Integração, recuperando-se o entendimento de intervenção do Estado por meio de grandes projetos de infraestrutura que dão prioridade ao crescimento econômico. Do mesmo modo, o Projeto SIVAM se apoia em um discernimento geopolítico baseado na informação e na capacidade de controle de variáveis múltiplas, em um tempo determinado a partir de aprimorados meios de processamento de informações que potencializam e privilegiam ações e atores sobre o mercado. Além dos grandes projetos pensados pelo Estado brasileiro para a Amazônia, se faz necessário analisar também, a relação entre a localização das atividades produtivas e a organização da população nesse cenário de “desenvolvimento” na região. *Fragmento do texto ESTADO, TERRITÓRIO, DINÂMICAS SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZÔNIA E A PERCEPÇÃO SOBRE AS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA-PA.

CARACTERIZAÇÃO DO MIQCB – MOVIMENTO INTERESTADUAL DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU*

Para falar do MIQCB se faz necessário, primeiramente, discorrer sobre as mulheres quebradeiras de coco que são as principais extratoras do babaçu (Orbignya phalerata), e que nem sempre moram no interior da floresta. Ao analisar Almeida (1995), verifiquei que a coleta de produtos da floresta, em especial o coco babaçu, é feita principalmente por mulheres e crianças . Segundo esse autor, o extrativismo praticado pelas catadeiras não se enquadra como atividade principal das famílias, que na maioria das vezes cuidam de pequenos roçados. Nesses termos, entendo que as mulheres quebradeiras de coco babaçu são parte integrante da comunidade local, e mantem costumes dos “povos da floresta”, sobretudo porque parte de sua subsistência tem origem no meio natural. Os povos da floresta algumas vezes são chamados de povos tradicionais, que sob o escopo de Arruda, analisado por Sato e Santos (2003), considera que algumas populações eram assim nomeadas porque não faziam parte do elo dos núcleos dinâmicos da economia nacional, e também porque adotaram o modelo biorregional, refugiando-se nos espaços menos povoados, onde a terra e os recursos naturais ainda eram abundantes, permitindo sua sobrevivência e a representação desse modelo cultural conexo com a natureza, com inúmeras variantes locais determinados pela especificidade ambiental e histórica da comunidade. Nessa conjuntura, ao analisar Almeida (1995), notei que as quebradeiras de coco foram autodefinidas pela atividade complementar e extrativa, onde envolveram critérios ecológicos e de gênero simultaneamente, alcançando dessa forma, certo consenso que serve de alavanca para reposicioná-las política e economicamente frente à ação governamental e aos circuitos de mercado. Esse movimento (MIQCB) se constitui em importante elemento de luta e de afirmação da identidade territorial das mulheres quebradeiras de coco babaçu (Orbignya phalerata), pois segundo o MIQCB (2005), tal movimento se estabeleceu a partir de um trabalho conjunto que envolveu uma rede de organizações voluntárias tais como: associações, clubes, comissões, grupos de mulheres e cooperativas que apresentam como bandeira de luta, a preservação dos babaçuais, a garantia do acesso a terra, a formulação de políticas governamentais voltadas para o extrativismo , o livre acesso aos babaçuais e a igualdade de gênero e, segundo Barbosa (2007), étnico-racial. Na percepção de Almeida (1995), o aventado movimento não é visto como uma entidade que substitua o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, mas que o complementa. Por não possuir sede, nem mesmo quadro de associados, sua representatividade é diferenciada. Além do mais, esse autor entende que, se tomarmos como critério a relação com os meios de produção, se verificará que acontece uma diferenciação econômica entre as quebradeiras de coco. Dentre elas, algumas não possuem acesso direto a terra, cultivo e extração, residindo na maioria das vezes, nas chamadas ponta de rua e na beira das rodovias exercendo atividades acessórias de assalariamento eventual e de prestação de serviços. Outras trabalhadoras extrativas possuem acesso à terra garantido e localizam-se em terras desapropriadas, adquiridas e decretadas (o caso de Reserva extrativista) por órgãos governamentais ou com posses concretizadas. Há ainda, mulheres quebradeiras em terras de herança com titulação ou não, com ou sem protocolar partilha; bem como as que se situam em terras de terceiros, pagando aforamento ou ocupando-as centenariamente com ou sem permissão de terceiros. Sob o escopo de Barbosa (2007), esse movimento se concentra basicamente em quatro estados da federação, tendo como área de abrangência, centenas de povoados distribuídos desde o Vale do Parnaíba, no Estado do Piauí, até o Vale do Tocantins, nos Estados do Pará e do Tocantins, cortando diagonalmente o Estado do Maranhão. Segundo essa autora, estima-se que mais de 300 mil pessoas realizem o extrativismo do babaçu no Brasil hoje em dia. Assim sendo, Almeida (1995) entende que a existência grupal objetivada em movimento mesmo pressupondo áreas geográficas incontínuas, vale-se da designação interestadual como uma forma de interlocução e de injunção do reconhecimento requerido. Nessa direção, o autor mencionado, ao falar das principais características básicas de movimentos como o das mulheres quebradeiras de coco – MIQCB - nos revela que são raízes locais mais profundas, que apresentam como objetivo a organização da produção, e uma visão mais extensa dos circuitos internacionais de mercado, através da agregação de valor (como os empreendimentos de refinamento do óleo de babaçu em prensas e centrífugas próprias) e de contatos particulares no intuito de usos industriais de definidas matérias-primas e a exportação. A partir dessa conjuntura, Barbosa (2007) nos mostra que as mulheres quebradeiras de coco vêm desenvolvendo cursos de formação e capacitação de suas lideranças, seminários, encontros, oficinas, o que também tem contribuído para discussões sobre os problemas relacionados com a mobilização e com a economia do babaçu. Sob esse enfoque, a autora tem destacado que a educação formal se tornou um instrumento importante, inclusive no que tange a igualdade de gênero, pois tem sido uma alternativa educar suas crianças questionando falas e práticas de dominação masculina, uma educação que realça as diferenças entre homens e mulheres, mas procura não vincular desigualdades. Nesse cenário, Almeida (1995), ao tratar do modo como acontece à coleta, nos mostra que a cooperação simples que ocorre na coleta e na quebra do coco babaçu, torna as mulheres mais próximas e agrupadas, pois o processo extrativo não acontece isoladamente. Assim, as mulheres dirigem-se em grupo para os babaçuais e, apesar do ato da quebra ser individual, elas o fazem próximas umas das outras, conversando. Suas posições, intercaladas com seus respectivos monte de coco, delineiam a figura aproximada de um círculo. *Fragmento de texto produzido por Valtey Martins de Souza em junho de 2012. É parte de um trabalho maior intitulado ESTADO, TERRITÓRIO, DINÂMICAS SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZÔNIA E A PERCEPÇÃO SOBRE AS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA-PA.