sexta-feira, 30 de novembro de 2012

LEFF, E. Agroecologia e saber ambiental. In: Agroecol. Desenv. Rur. Sustent., Porto Alegre, v.3. n. 1, jan./mar. 2002. (p.36-51).

Esse artigo é a adaptação de um texto apresentado em um Seminário Internacional sobre Agroecologia. O autor começa conceituando Agroecologia como um novo paradigma produtivo, como uma constelação de ciências, técnicas e práticas para uma produção ecologicamente sustentável, no campo. Para ele, as práticas agroecológicas nos remetem à recuperação dos saberes tradicionais, a um passado no qual o humano era dono do seu saber, a um tempo em que seu saber marcava um lugar no mundo e um sentido da existência. Os saberes agroecológicos são uma constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população, além de serem forjados entre as cosmovisões, teorias e práticas. Para esse autor, a Agroecologia deve considerar as condições culturais e comunitárias em que estão mergulhados os agricultores, sua identidade local e suas práticas sociais são elementos fundamentais para a consolidação e apropriação social de suas práticas e métodos. A Agroecologia como instrumento do desenvolvimento sustentável, deve envolver o pesquisador na realidade que estuda, ao aceitar, em pé de igualdade, com o seu conhecimento científico, os saberes locais gerados pelos agricultores. Para ele, um desenvolvimento rural sustentável é possível pela fusão entre a “Empiria camponesa” e a “Teoria Agroecológica”. Sob o ponto de vista do autor, a Agroecologia convoca a um diálogo de saberes e permuta de experiências; a uma hibridização de ciências e técnicas, para potencializar as competências dos agricultores; a uma interdisciplinaridade, para articular os conhecimentos ecológicos e antropológicos, econômicos e tecnológicos, que confluem na dinâmica dos agroecossistemas. Penso que nesse dialogo de saberes não deve haver hierarquia, sendo considerado como iguais todos eles, sejam empíricos ou científicos. Amparado nesse enfoque, o autor completa dizendo que na reapropriação dos saberes tradicionais e sua hibridização com conhecimentos científicos modernos, o elemento aglutinante não é o desejo de lucro, senão a reprodução ecológico-cultural do agroecossistema e do território. Para esse autor, a Agroecologia se nutre dos saberes culturais dos povos, de valores tradicionais que vinculam o momento da produção com as funções simbólicas e o sentido cultural do metabolismo social com a natureza. Desse modo, a atividade de cada agricultor está motivada por cosmovisões e constelações de valores e interesses que são incomensuráveis com os valores monetários da agronomia. Amparado nessas considerações, penso que a Agroecologia praticada nesses moldes deve ter como pano de fundo, o desenvolvimento que parta da confluência de saberes, como os científicos interdisciplinares e os “tradicionais”.

FLORIT, L. A reinvenção social do natural. Natureza e agricultura no mundo contemporâneo. Cap. 05. Blumenau: Edifurb, 2004. p. 99-124.

Quando Florit (2004) fala da crítica à agricultura moderna, ele diz que ela tem enfocado especialmente as consequências indesejáveis da produção de alimentos, conformada pela modernização agrícola, focalizando três níveis de riscos intimamente relacionados entre si. Na concepção dele, os riscos são: ambientais (poluição, perda de biodiversidade, erosão dos solos, entre outros), os riscos sociais (a marginalização das populações que não se “modernizaram”, êxodo rural e consequências à saúde dos trabalhadores rurais, por exemplo) e os riscos alimentares (presença de agrotóxicos nos alimentos comercializados, diminuição geral da qualidade biológica nos mesmos e, de modo recente, as inseguranças geradas pelo uso de variedades geneticamente modificadas). Segundo esse autor, os problemas atinentes à agricultura moderna se relacionam com um tipo de visão de natureza, que parte da separação ontológica do ser humano e da natureza, fato esse, que serve de justificativa para a manipulação da mesma através de práticas instrumentais que a consideram como um conjunto de objetos passivos, suscetíveis de serem usados e transformados pelos seres humanos. Se contrapondo ao modelo de agricultura baseada em insumos químicos e motomecanização, surgem correntes alternativas à agricultura moderna, segundo Florit. Para esse autor, o modelo alternativo pode ser analisado a partir de quatro categorias principais: agricultura orgânica, agricultura biológica, agricultura biodinâmica e agricultura natural. Nesse último grupo, por sua vez, pode-se incluir diversas linhas diferentes, entre as quais se podem citar a agricultura natural de Mosanobu Fukuoka e agricultura natural de Moiki Okada, entre outras. Nessa conjuntura, o autor tendo como pano de fundo Ehler (1996) passa a falar de cada uma das agriculturas alternativas, começando com a orgânica, que, segundo ele, é atribuído ao inglês Sir Albert Howard. As experimentações de Howard na Índia permitiram que ele se sentisse capaz de praticar a agricultura sem qualquer utilização de insumos químicos. O resultado foi um sistema que assumia que o fator essencial para a saúde das plantas e dos animais era a fertilidade do solo. Para alcançar esse objetivo, Howard sistematizou o que chamou de método “Indore”, o qual consiste num método de compostagem que aproveita os resíduos da fazenda e os transforma em húmus, que, segundo orientações específicas, garantiria a fertilidade do solo através de um processo biológico. De acordo com Bonilla, citado pelo autor, a ideia central era assegurar que o solo fosse suficientemente enriquecido com altos níveis de matéria orgânica de modo a assegurar um ambiente propício para uma vida intensa e rica da flora microbiana. Quando Florit faz menção ao modelo biodinâmico inspirado no filósofo austríaco Rudolf Steiner, afirma que tal modelo tinha por finalidade, inspirar a criação de um método de produção que permitisse recuperar a saúde e o vigor das plantas e dos animais domésticos, e com isso, a qualidade dos alimentos para os seres humanos. Esse modelo parte de uma “visão espiritual” da agricultura, atribuindo uma importância muito grande à influência dos astros e considerando a produção agrícola como parte de uma atividade na qual o ser humano, como ser espiritual, pode contribuir para a evolução da natureza. Secundariamente, faz uso dos chamados “preparados biodinâmicos” contendo substâncias vegetais e minerais, elaborados através de métodos que incluem procedimentos de caráter simbólico, com o fim de vitalizar as plantas e estimular o seu crescimento, considerando a propriedade agrícola como um organismo. Para Florit, a expressão agricultura biológica foi cunhada pelo francês Claude Aubert ao dar título ao livro no qual expôs os princípios de um modelo de agricultura em que plantas e animais são agricultados e criados em condições tais, que lhes é permitido desenvolver-se com “boa saúde” a partir da adequação “natural” às suas necessidades vitais. Nesse modelo, plantas e animais são tratados como seres vivos e não se faz uso de insumos químicos nem de motomecanização. Segundo Ehlers (1992) citado pelo autor, as ideias da corrente da agricultura biológica parecem atender aos anseios do emergente movimento ecológico, especialmente devido a sua preocupação tanto pela qualidade dos alimentos quanto pela proteção ambiental, além da procura por fontes de energéticas renováveis. O método da agricultura natural foi elaborado pelo japonês Mokiti Okada e privilegia a “força intrínseca” do solo, cuja qualidade é considerada fator primordial para obtenção de boas colheitas. De acordo com essa perspectiva, a fertilização do solo consiste no fortalecimento de sua “energia natural”. Para tanto, basta torna-lo “puro e limpo”, pois, no entendimento de seu percursor, quanto mais puro é o solo, maior é a sua força para o desenvolvimento das plantas. Florit ainda completa dizendo que do ponto de vista agronômico, a agricultura natural de Okada recomenda a rotação de culturas, o uso de adubos verdes, o emprego de compostos e o uso de restos vegetais na forma de cobertura sobre o solo. Em minha opinião, esses modelos ditos alternativos, contribuíram para a mudança de mentalidade de parte da comunidade científica, de parte dos consumidores e de produtores rurais, principalmente daqueles voltados para o modo “tradicional” de agricultar. Penso que todos eles apresentam relevância, especialmente na característica que apresentam em comum, que é a oposição ao modelo moderno de agricultura baseado no monocultivo que faz uso de insumos agrícolas e motomecanização do solo.

domingo, 26 de agosto de 2012

MENSAGEM ESCRITA PELOS LÍDERES DA GUERRILHA AOS SOLDADOS

Lembrem-se que, não distante daqui, próximo a Marabá, as Minas de Serra Norte – as maiores reservas de ferro do mundo – estão nas mãos da poderosa empresa ianque United States Steel. Tenham em conta que a democracia acabou no Brasil e ninguém pode criticar os governantes. Vale a pena se sacrificar por uma causa tão ingrata? Meditem um pouco. Não permitam que os tornem autômatos e assassinos de seus irmãos. Os combatentes do Araguaia são jovens patriotas. Não cometeram nenhum crime. Querem acabar com a ditadura, construir uma nação livre e próspera, almejam o bem-estar de todos os brasileiros. Do mesmo modo que eles, vocês são filhos do povo trabalhador. Por que, então, combate-los? O movimento Guerrilheiro é invencível. Fonte: Nossa, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 127).

SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA, FIM DE TARDE, MAIO

Afundavam em tonéis com água a cabeça dos agricultores presos para que eles contassem o que sabiam e o que não sabiam, davam-lhes pelo corpo e os amarravam pelos testículos em posição de matar boi. Frederico, marido de Adalgisa, foi pendurado assim e obrigado, numa tarde de sol intenso, a esvaziar com uma peneira um tonel de água. - Era o dia todinho no sol, queimando. Me deram choque, botinada na cara – lembra Frederico Moraes, que ficou com sequelas. Ele e outros presos eram obrigados a cantar o Hino Nacional e participar, toda manhã, do hasteamento da bandeira. Fonte: Nossa, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 126).

sábado, 25 de agosto de 2012

OSVALDÃO

De barba e sujo, Osvaldão, 35 anos, estava sentado atrás de uma moita, sem o vigor da lenda, longe de ser a figura do lutador de boxe e do dançarino elegante dos cabarés. O mateiro Arlindo Piauí percebeu sua presença na área. Chamou-o pelo nome. Osvaldão abriu com as duas mãos a moita. Ao ver o rosto dele, Piauí apontou a espingarda para a barriga do guerrilheiro e atirou. Um sargento, na retaguarda, se aproximou e acabou de matá-lo. O corpo foi colocado num saco de lona verde e amarrado no esqui de um helicóptero. O aparelho estava a dez metros do chão quando a corda arrebentou, quebrando o tornozelo esquerdo do cadáver. Novamente, o corpo foi amarrado. O helicóptero sobrevoou Xambioá e os castanhais para não haver dúvidas da morte do mito. Pela manhã, o corpo chegou à base de Xambioá. Alguns moradores estavam presentes no velório, para que a notícia da morte do guerrilheiro se espalhasse. No terreno da base, perto de uma cova aberta por mateiros, Curió observou o corpo que estava estendido numa maca. A cabeça e os pés de Osvaldão não cabiam ali. Fonte: NOSSA, Leonencio. Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (pag. 206).

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O CORONEL LICIO MACIEL RELATANDO COMO ELE E SUA EQUIPE MATARAM O GRUPO DE GUERRILHEIROS DO QUAL ZÉ CARLOS FAZIA PARTE

Equipe em formação de combate em linha, eu sem poder mais rastejar devido à proximidade de um guerrilheiro, levantei-me e gritei a ordem de prisão, obtendo como resposta um tiro dado por um deles que estava de vigia mais atrás e que não tinha sido visto. O revide foi inevitável, imediato. Mero suicídio. O tiroteio foi intenso e prolongado; quem se mexia tomava bala. Terminado o tiroteio, silêncio na mata, estavam mortos: “Zé Carlos” (André Grabois), “Alfredo” (Antonio Alfredo Lima), e “Zebão” (João Gualberto Calatroni), todos identificados pelo único sobrevivente, o “Nunes” (Divino Ferreira de Souza), que estava muito ferido, com um projétil que lhe atravessou o corpo transversalmente, entrando no quadril de um lado e saindo na axila do outro lado, quase arrancando-lhe o braço. Mas foi ele quem deu os nomes dos mortos e a importância do grupo, embora falando com muita dificuldade. À noite, mal podia falar. O que conseguiu fugir era o “João Araguaia” Demerval Pereira da Silva). (Trecho retirado do livro: Guerrilha do Araguaia – relato de um combatente, escrito por Licio Maciel – 2008, pag. 54)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

MAURICIO GRABOIS RELATANDO EM SEU DIÁRIO A MORTE DE SEU FILHO, ZÉ CARLOS, DURANTE A GUERRILHA DO ARAGUAIA

“Más noticias do destacamento A - pra mim particularmente terríveis - deixaram-me em estado de não poder escrever coisa alguma... o Destacamento foi duramente golpeado. Perdeu seu comandante, homem e um dos mais puros revolucionários. Estava ligado ao partido desde os 16 anos. Ainda podia dar muito à revolução. Era excelente comandante. O primeiro erro que cometeu foi-lhe fatal. Tinha 27 anos. Seu verdadeiro nome era André Grabois." (Trecho do livro: MATA! O MAJOR CURIÓ E AS GUERRILHAS NO ARAGUAIA, página 165, de autoria de Leonencio Nossa).

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

UMA CARTA DE OSVALDÃO QUE CHEGOU AS MÃO DOS MILITARES

Prezado amigo... encontro-me na matas do Araguaia, de armas nas mãos, enfrentando soldados que pretendem me apanhar vivo ou morto. [...] Há mais de seis anos morava nessa região, dedicando-me, honesta e pacificamente, ao duro trabalho do garimpo ou do “marisco”. [...] Internei-me na mata, que conheço bem, para combater os inimigos do povo. Quero que o Pará e o Brasil sejam terras livres, onde todos possam trabalhar sem grileiros, sem perseguições policiais e contando com a ajuda de um novo governo, progressista e popular. [...] Peço-lhe que transmita a todo o revoltado, a todo inconformado com a situação de pobreza e falta de liberdade, a todo perseguido pelos poderosos e pela polícia, que será bem recebido pelos combatentes. Aqui, entre os revolucionários, ele poderá se refugiar e lutar. Sou um patriota, um filho do povo. Aspiro ardentemente livrar a nação do cativeiro, do domínio dos gringos norte-americanos e da ditadura. Osvaldo, de algum lugar do Araguaia. (Trecho do livro: MATA! O MAJOR CURIÓ E AS GUERRILHAS NO ARAGUAIA, página 146, de autoria de Leonencio Nossa). Será que houve grandes mudanças daquele período para o período atual? As terras do Pará são livres? Os grileiros deixaram de existir? Não há mais perseguições policiais? Os governos se tornaram progressistas e populares? O povo deixou de se revoltar e se inconformar com a situação de pobreza e a falta de liberdade? Os poderosos deixaram de perseguir os menos favorecidos? Sob a minha ótica, os problemas que a população enfrentava no período em que o guerrilheiro Osvaldão escreveu essa carta, permanecem até os dias atuais. Também não vejo muitas perspectivas de mudanças a curto e médio prazo. Penso que só acontecerão mudanças radicais se trilharmos o caminho da revolução.

sábado, 7 de abril de 2012

PROJETO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO*

AUTOR: Valtey Martins de Souza TEMA MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO, CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL EM SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA-PA. JUSTIFICATIVA Esse projeto de estudo se justifica pela necessidade de entender o processo de desenvolvimento da atividade extrativa do babaçu (Orbignyaphalerata) local, a influência dessa atividade na economia regional e o modo como o meio ambiente é visto pelos diferentes atores locais. Para tal entendimento, penso que os direitos e deveres dessas mulheres devam ser mais bem analisados, pois, me parece que elas não desfrutam de cidadania plena. OBJETIVO GERAL Compreender o processo de extração e comercialização do babaçu (Orbignyaphalerata) pelas mulheres quebradeiras de coco do município de São Domingos do Araguaia, Pará. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Entender o processo extrativo do babaçu; -Verificar a quantidade de pessoas envolvidas nesse processo; - Fazer uma análise sobre a cidadania das quebradeiras de coco; - Compreender como se dá a influencia dessa atividade extrativa na economia regional; - Analisar a influencia do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), no modo como as pessoas se relacionam com o meio ambiente; - Cartografar o MIQCB no município em questão. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para realizar este trabalho,pretendo fazer pesquisa bibliográfica e de campo. Para abranger essa última irei realizar entrevistas (estruturadas e semiestruturadas); questionários; observação direta; e análise documental, principalmente as políticas públicas locais. Nas entrevistas e questionários deverão estar permeado com questões a respeito do modo como o coco babaçu (Orbignyaphalerata) é extraído, beneficiado e comercializado; o tempo gasto nessas atividades; as questões que impedem ou dificultam suas atividades; o modo pelo qual as quebradeiras se relacionam com o ambiente; a abrangência espacial do MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu); dentre outras. A análise documental deve se dá, principalmente, no exame do Plano Diretor Participativo do município em questão. Dessa maneira, na revisão bibliográfica irei discutir vários conceitos, dentre eles o de Floresta Amazônica (KITAMURA, 2001); povos tradicionais (SATO; SANTOS, 2003);MIQCB (MIQCB, 2005);desenvolvimento sustentável local (BUARQUE, 2002);cidadania (BURNHAM, 2003). Assim, na revisão bibliográfica, começarei utilizando conhecimentos de autores como Kitamura (2001), que ao falar de Floresta Amazônica, nos mostra como as comunidades locais a percebem. Para ele, essas comunidades locais percebem a Floresta Amazônica como reguladora do equilíbrio dos ecossistemas em que vivem e como rede de sua subsistência, pois fornece produtos e serviços para seus cotidianos. Nessa perspectiva, esse autor entende que o valor de uso da Floresta é imediatamente palpável no dia-a-dia dos “povos da Floresta”, especialmente porque grande parte de sua subsistência é oriunda do meio natural, notadamente a alimentação, que vem da coleta de produtos da Floresta, da caça e da pesca. Na sequência falarei das mulheres quebradeiras de coco (Orbignyaphalerata). Ao analisar Almeida (1995), desvendei que a coleta de produtos da floresta, em especial o coco babaçu, é feita principalmente por mulheres e crianças. Segundo esse autor, o extrativismo praticado pelas catadeiras não se enquadra como atividade principal das famílias, que na maioria das vezes cuidam de pequenos roçados. Nesses termos, entendo que as mulheres catadeiras de coco babaçu são parte integrante da comunidade local, e mantem costumes dos “povos da Floresta”,sobretudo porque parte de sua subsistência tem origem no meio natural. Os povos da floresta algumas vezes são chamados de povos tradicionais, que sob o escopo de Arruda, analisado por Sato e Santos (2003), considera que algumas populações eram assim nomeadas porque não faziam parte do elo dos núcleos dinâmicos da economia nacional, e também porque adotaram o modelo biorregional, refugiando-se nos espaços menos povoados, onde a terra e os recursos naturais ainda eram abundantes, permitindo sua sobrevivência e a representação desse modelo cultural conexo com a natureza, com inúmeras variantes locais determinados pela especificidade ambiental e histórica da comunidade. Visto sob essas condições, percebo que as atividades extrativas do coco babaçu desenvolvidas por essas mulheres contribuem para um desenvolvimento sustentável local, especialmente porque se busca a conservação ambiental, o crescimento econômico e a equidade social, como prega Buarque (2002) ao falar desse modelo de desenvolvimento. Dessa forma, percebo que as mencionadas atividades realizadas por essas mulheres devem contribuir para o desenvolvimento local, que na percepção do autor citado no parágrafo anterior, pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e o progresso da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e aglomerações humanas. Na concepção desse autor, para o desenvolvimento local ser sustentável e consistente, deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as chances sociais e a viabilidade e rivalidade da economia local; ao mesmo tempo, a conservação dos recursos naturais deve ser assegurada, visto que são a base mesma de suas potencialidades e condições para a qualidade de vida da população local. Segundo Buarque (2002), essa iniciativa endógena demanda, normalmente, um movimento de preparo da sociedade local, cultivando suas habilidades e potencialidades próprias, de modo a criar raízes essenciais da matriz socioeconômica e cultural da localidade. Nesse contexto, percebo que o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), se constitui em importante elemento de luta das mulheres quebradeiras de coco babaçu local, pois segundo oMIQCB (2005),esse movimento se estabeleceu a partir de um trabalho conjunto que envolveu uma rede de organizações voluntárias tais como: associações, clubes, comissões, grupos de mulheres e cooperativas que apresentam como bandeira de luta, a preservação dos babaçuais, a garantia do acesso a terra, a formulação de políticas governamentais voltadas para o extrativismo, o livre acesso aos babaçuais e a igualdade de gênero. Nesses termos, notei que as mulheres participantes do MIQCB não exercem os direitos básicos de sobrevivência na sua plenitude, pois às vezes são impedidas de extrair o coco babaçu em terras particulares. Assim, suas cidadanias são afetadas, porém, para lutarem por seus direitos fundamentais essas mulheres se organizam em movimentos como o MIQCB. Em organizações como essas, as participantes podem chegar ao “estado” decidadão-trabalhador-autor-crítico-instituinte, como prega Burnham (2006).Para essa autora, nesse “estado” de cidadão, o mesmo reflete, se autoriza, reconhece os pares e, desse modo, é propositor, (re)construtor, (re)instituinte de esferas da vida política-sócio-cultural-ambiental, articulador coletivo, radiculado em sua comunidade/cultura local e também com participação em procedimentos formadores de modificações profundas, globais. Sob essas condições, verifiquei ainda, que além dos proprietários de terras não permitirem que as mulheres quebradeiras de coco babaçu tenham acesso aos babaçuais, desmatam sem licença ambiental para isso. Assim, esses proprietários estão desrespeitando um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, que é o princípio da função socioambiental da propriedade. Segundo Leite e Pilati (2011), esse princípio é contemplado pelo ordenamento jurídico brasileiro no art. 1.228, parágrafo único, do Código Civil. Esses autores fazem a seguinte leitura do mencionado parágrafo: O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (p. 23). Nessa conjuntura, os autores acima citados entendem que aqueles que provocam danos ambientais devam ser responsabilizados. Ao falarem de responsabilidade civil ambiental, eles entendem responsabilidade civil como a obrigação de reparar danos acarretados a pessoas, ao patrimônio, ou a interesses coletivos ou transindividuais, sejam eles difusos ou coletivos stricto sensu. REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. W. B. de. Quebradeiras de Côco Babaçu: Identidade e Mobilização. São Luís: III Encontro Interestadual das Quebradeiras de Côco Babaçu: 1995. BUARQUE, Sergio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. BURNHAM, Teresinha Fróes. Pesquisa multirreferencial em educação ambiental: bases sócio-culturais-político-epistemológicas. Pesq. Educ. Ambient. [online]. 2006, vol.1, n.1, pp. 73-92. ISSN 1980-1165. LEITE, J. R. M; PILATI, L. C. Princípios fundamentais do direito Ambiental. In: PILATI, L. C; DANTAS, M. B. Direito ambiental simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011. – (Coordenador José Rubens Morato Leite). _______. Responsabilidade Civil Ambiental. In: PILATI, L. C; DANTAS, M. B. Direito ambiental simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011. – (Coordenador José Rubens Morato Leite). KITAMURA, Paulo Choji. Amazônia: produtos e serviços naturais e as perspectivas para o desenvolvimento sustentável regional. In: ROMEIRO, A. R; REYDON, B. P; LEONARDI, M. L. A. (Org.). Economia do meio ambiente: teoria, politicas e a gestão de espaços regionais.- Campinas, SP: Unicamp. IE, 2001. MOVIMENTO INTERESTADUAL DAS QUEBRADEIRAS DE COCO. Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. São Luís, 2005. (Quebradeiras de Coco Babaçu – Pará, Fascículo 5). SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA-PA. Lei n.º 1.159/2006 de 2 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Plano Diretor Participativo do Município de São Domingos do Araguaia. SATO, Michèle; SANTOS, José Eduardo. Tendências nas pesquisas em educação ambiental. In: NOAL, F.; BARCELOS, V. (Orgs.). Educação ambiental e cidadania: cenários brasileiros. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. p. 253-283. * Trabalho apresentado em setembro de 2011 ao Professor José Pedro, da disciplina Atividades Programadas para a Preparação de Monografias, do curso de Especialização em Educação Ambiental, Cidadania e Desenvolvimento Regional, do Núcleo de Educação Ambiental da UFPA, Campus Sul e Sudeste do Pará, Marabá.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

RELATO DE EXPERIÊNCIA DE PROJETO REALIZADO COM USO DAS MÍDIAS DIGITAIS

No ano de 2009, elaborei um plano de aula (de geografia para uma turma de 7.ª série do Ensino Fundamental) que tinha como objetivo principal, trabalhar uma linguagem diferente (a música) da usualmente utilizada em sala de aula, que é aquela que privilegia o uso do livro didático. Assim como o manual didático se apresenta como um recurso pedagógico, a música também pode se tornar um instrumento bastante valioso no tocante ao processo ensino aprendizagem. Assim sendo, fiz uso de um CD com a música, um toca-CD e a letra impressa da música. Acredito que a escolha das letras das músicas a serem trabalhadas em sala de aula deva contemplar uma gama de questões existentes no mundo e no nosso cotidiano, pois, a partir delas devem ser suscitados debates e levantados novos temas, que tornem o processo pedagógico mais sintonizado com o universo do aluno. Dessa maneira, entendemos que a utilização desse recurso é de fundamental importância para que a construção do conhecimento aconteça. Assim sendo, procurei durante o desenvolvimento do plano de aula, fazer a ligação entre a letra da música e o processo migratório, que no entendimento de Moreira (2004), pode ser percebido como os movimentos ou deslocamentos de uma população de um lugar para outro. Para Viana (2000), a música como recurso didático em Geografia, consiste em uma abordagem pedagógica na qual, letras de músicas são trabalhadas como elemento para a análise/reflexão de conjunturas sociais e geográficas. Para essa autora, a escolha das letras das canções não deve ser escolhida aleatoriamente, mas sim, vinculada a ideia de relações entre globalização e mudanças na cotidianidade vivida, ou resistências desta frente a uma globalização homogeneizadora. Ao final da aula, vários alunos e alunas relataram terem entendido o processo migratório, do qual eles ou seus familiares fizeram parte, principalmente devido ao uso da música que retrata suas realidades. Esse fato me levou a acreditar que o uso de mídias digitais no processo educacional veio para ficar e substituir a aula expositiva tradicional. REFERÊNCIAS MOREIRA, Igor. Geografia: construindo o espaço – 6 série. 2 ed. 1 imp. São Paulo: Ática, 2004. VIANA, Adriane Monteiro. A Música como Recurso Didático em Geografia: uma abordagem da Geografia do Cotidiano. In: REGO, Nelson; SUERTEGARAY, Dirce e HEINDRICH, Álvaro. (orgs). Geografia e Educação: geração de ambiências. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRG, 2000.