domingo, 24 de outubro de 2010

RELATO DA ESPOSA DE UM TORTURADO DA GUERRILHA DO ARAGUAIA

O movimento de guerrilha rural acontecido onde hoje se localiza o “Bico do Papagaio”, ficou conhecido por Guerrilha do Araguaia. Esse movimento guerrilheiro se iniciou com os preparatórios de pessoas ligadas ao PC do B (Partido Comunista do Brasil), em meados da década de 1960. Os primeiros guerrilheiros a chegar à região onde o movimento seria deflagrado, tinham como objetivo preparar o terreno para a chegada dos demais.
Quando os guerrilheiros se preparavam para deflagrar a guerra de guerrilhas, foram atacados por militares das Forças Armadas que haviam descoberto os preparatórios dos revoltosos com a situação de domínio exercida pelos militares.
Os militares das forças regulares adotaram várias táticas para dominar o movimento guerrilheiro que se instalara na região. Dentre elas, se destaca a ação de seqüestrar e torturar grande parte dos homens que viviam nas vilas e na floresta.
Assim, se inicia o sofrimento de uma família que tem um de seus membros preso e torturado pelos militares das Forças Armadas do Brasil. Esse sofrimento afetou todas as pessoas da família, mas uma pessoa em especial sofreu muito mais, pois, essa pessoa sofreu as mais vis torturas que um ser humano pode provocar a outro. Além das torturas físicas, a tortura moral associada ao medo do que viesse acontecer a sua família, prevaleceu na cabeça do torturado, que se viu na obrigação de ajudar as forças regulares a procurar e prender os brasileiros que pretendiam mudar o regime de ditadura imposto ao país.
Desse modo, o depoimento da esposa de um torturado esclarece a ação de agentes das Forças Armadas do Brasil, no que se refere à prisão e tortura de seu esposo, Geraldo Martins de Souza. A declaração de Clotildes Martins de Souza começa assim:
No começo de outubro de 1973, por volta das 08:00hs, apareceram nas ruas de São Domingos, muitos homens vestidos de “Povo da Mata”, trazendo uns vinte homens presos. Nós ficamos com medo. Aí, depois que nós vimos os homens se comunicando com os aviões que passavam por cima, entendemos que eram homens do Exército. Levaram esses homens para o “Angelim” (antigo DNR) no Marabá. No final de outubro o Geraldo foi preso e levado pelo Exército, mais ou menos lá pelo dia 27. Ele ficou preso no “Angelim”, onde sofreu muito, apanhou muito. Ficou preso uns trinta dias sofrendo, depois foi perguntado se ele conhecia a mata, e ele disse que sim, pois tinha terra na região, cerca de 70 (setenta) alqueires. Pediram-lhe para fazer um croqui da área e ele fez. Depois disso ele foi recrutado para ser “guia” do Exército para procurar o “Povo da Mata”. Na sua primeira missão ele prendeu dois jovens que haviam queimado uma ponte, e, se descobriu mais tarde que esses rapazes eram mesmo da região. Acredito que meu marido foi preso porque nessa terra que nós tínhamos, criávamos porcos, galinhas e tínhamos pastos para os animais. E o Exército matou o “Zé Carlos” e os outros guerrilheiros na nossa terra, justo quando eles “tratavam” um porco que eles haviam matado para comer. O Exército achou que nós estávamos dando apóio para o “Povo da Mata”, pois o porco era nosso. Depois disso, os militares mataram todas as nossas criações, cortaram as árvores frutíferas e queimaram o arroz e o milho que estava estocado. Por isso, o Geraldo foi preso, apanhou muito, foi torturado para descobrir onde estavam os guerrilheiros. No entanto, por não saber nada a respeito disso e por conhecer a região, ele foi recrutado para atuar como “guia” do Exército de 1973 até início de 1975.
O movimento guerrilheiro foi sufocado do final do ano de 1974 para o início de 1975. No entanto, as forças regulares continuaram a atuar na região, principalmente impondo medo nos moradores que foram incumbidos de vigiar para que pessoas “estranhas” fossem monitoradas.
Assim, os homens que foram recrutados a força para atuarem como “guias”, ficaram mal vistos, principalmente por pessoas que não sabiam dos apertos que eles haviam passado sob as torturas daqueles que deveriam protegê-los. Resta saber se um dia esses homens irão ser homenageados como heróis que também sofreram nesse episódio obscuro da história recente do Brasil.

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